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CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO RETRÓGRADA: SALVAMENTO DO PÉ ISQUÊMICO.

Com o avanço das técnicas endovasculares, angiográficas e da microcirurgia tem sido possível a realização de procedimentos em artérias de pequeno calibre ao nível do tornozelo e do pé. No entanto, tais técnicas exigem a presença de leito arterial distal, que está ausente em muitos pacientes o que os condena a uma amputação do membro por falta de recursos terapêuticos convencionais.

A revascularização retrógrada é baseada na derivação do fluxo arterial através do sistema venoso distal, com a finalidade de atingir a microcirculação de maneira retrógrada e promovendo a melhora da dor em repouso, cicatriza­ção de úlceras e amputações menores.

Este blog irá disponibilizar aos interessados a técnica de revascularização retrograda com suas particularidades. Pretende ser um polo para a divulgação e discussão do tema com o objetivo de estabelecer um protocolo para pacientes acometidos por diferentes patologias e que apresentam isquemia crítica sem leito arterial distal (aterosclerose, diabetes melito, tromboangeite obliterante e trombose de aneurisma poplíteo).

terça-feira, 25 de março de 2014

TÉCNICA OPERATORIA: CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO RETROGRADA

A técnica cirúrgica pode ser realizada como Lengua (2001), que faz a anastomose distal com safena invertida diretamente no arco venoso ou como preconizamos: mantendo a safena magna “in situ” (Busato et al., 1999).

Safena invertida ou devalvulada “ex situ”.
A técnica operatória é descrita com detalhes simples e até fúteis mas que na realidade constituem  um rol importante para o resultado final da cirurgia (Lengua,1994).
A anestesia preferencial é a peridural com cateter. Protegem-se eventuais lesões tróficas com material estéril e impermeável assim como o apoio do calcanhar com uma luva preenchida de água estéril. A intervenção pode ser realizada por duas equipes: a primeira retira as safenas de ambas as coxas, prepara e executa uma anastomose na artéria doadora.

1. Dissecção da veia:
Uma incisão oblíqua longitudinal na parte inferior, lado interno do joelho serve para confecção do túnel para o enxerto. A segunda equipe realiza a dissecção da veia marginal interna do pé através de incisão pré-maleolar de dez centímetros para baixo na projeção desta veia. A incisão deve evitar "cair" sobre a veia, pois o seu fechamento pode expor a anastomose caso ocorra necrose de pele (figura 1B). Pontos de tração são colocados sobre as bordas da ferida incluindo pele e fáscia subcutânea. Para dissecção da veia marginal bem como para o fechamento da ferida evita-se a utilização de pinças e afastadores para evitar a necrose da pele (Lengua,1994). 

2. Tunealização:
Tuneliza-se o trajeto do enxerto através do tecido celular subcutâneo com uma sonda de material plástico, em trajeto anterior a safena magna pré maleolar. Evita-se tunelizador metálico que pode causar descolamento da pele originando necrose. 

3. Flebotomia:
Com o enxerto localizado em seu leito, sem torções, se realiza uma flebotomia na veia marginal do pé capaz de permitir acesso à primeira metatarsiana e a continuidade do arco venoso. Utilizando-se os dilatadores metálicos, após distensão venosa com soro fisiológico heparinizado, rompem-se as válvulas acessíveis à flebotomia. 

4. Anastomose veia-arterial:
Procede-se a anastomose do enxerto venoso com prolene 7 zeros e utilizando-se de lentes de aumento evitando deixar uma bolsa que possa ser comprimida pelo fechamento da pele. Quando isto ocorre, é preferível deixar a incisão apenas aproximada com abertura de 3 a 6 mm, cobrindo-se a anastomose e deixando para cicatrizar por segunda intenção (Lengua, 1994).


Figura 01 – Técnica de arterialização do arco venoso do pé com safena “ex situ” (A). Aproximação da pele na incisão cirúrgica do pé (B). Fonte: Arterialization del pie por isquemia, F Lengua A.

5. Destruição das válvulas venosas:
           Para a destruição das válvulas do pé foi desenvolvido um conjunto flexível de 5 hastes, de 24 centímetros de comprimento, armado com curtas olivas de ponta cônica de diâmetros variáveis de 1 a 2,5 mm com comprimento de 4 a 5 mm  implantados num ângulo de 10 graus e uma de 6 cm, sem angulação, para destruir as válvulas ostiais da primeira metatarsiana. A rotura é feita girando a oliva para dentro do lúmen evitando lesionar a parede da veia (figura 2). A técnica cirúrgica deve ser meticulosamente seguida porque o resultado depende de pequenos detalhes (Lengua, 2006).

Figura 02 – Conjunto de hastes metálicas utilizadas para valvulotomia. Fonte: Arterialization del pie por isquemia, F Lengua A

 Safena “in situ”
A safena magna mantida “in situ”, deve ser anastomosada à melhor artéria doadora, (figuras 3A e B) que deve ser esqueletizada, pela ligadura de todas as colaterais, até a perfurante anterior do maléolo (figura 4), que deriva parte do fluxo, para as veias tibiais anteriores e dorso proximal do pé.


Figura 03 A e B – A safena magna “in situ” anastomosada à melhor artéria doadora. Fonte: Busato, et al. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. v.9 n.3, 2010.

Figura 4 – Safena magna esqueletizada até a primeira veia perfurante justa maleolar.Fonte: Busato, et al. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. v.9 n.3, 2010.

 A partir desta, todas as veias do pé devem ser preservadas. Realizamos valvulotomia ascendente através das colaterais ao longo da safena (figura 5) e no pé através de flebotomia (figura 6). O procedimento pode ser simplificado pela passagem de um valvulótomo flexível a partir da flebotomia que é realizada próxima a emergência da primeira metatarsiana. Completamos a valvulotomia descendente na metatarsiana e no arco venoso do pé. 


Figura 5 – Flebotomia no dorso do pé para rotura das válvulas. Fonte: Busato, et al. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. v.9 n.3, 2010.

É imprescindível a presença de pulso e frêmito ao nível do arco venoso dorsal, (figura 7 A e B) manutenção das veias do pé a partir da perfurante anterior do maléolo e integridade do sistema venoso profundo do membro que serve como “rota de fuga” ao hiper-fluxo gerado pela fístula (Busato, 1999, 2008) .


Figura 06 – Fluxo arterial em veia dorsal do pé (A). Padrão de FAV ao doppler (B). Fonte: Busato, et al. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. v.9 n.3, 2010.

A utilização da safena magna “in situ” permite “arterializar” o arco venoso do pé com apenas uma anastomose. Evita a retirada da veia de seu leito original e dispensa a confecção de túnel.
Os bons resultados da cirurgia estão relacionados mais a indicação precisa, estudo pré-operatório arterial e venoso da extremidade em risco e detalhes técnicos do que do tipo de cirurgia escolhida.



·  Referencias:
·  Lengua F, Madrid A La, Acosta C, Barriga H, Maliqui C, Arauco R, Lengua A. L’arterialisation des veines du pied pour sauvetage de membre chez l’artéritique. Technique et resultats. Ann Chir 2001;126:629-638.
·     Djoric P. Early individual experience with distal venous arterialization as a lower limb salvage procedure. Am Surg 2011;77(6):726-30.
·         Busato C.R, Utrabo C.A.L, Housome J.K, Gomes R.Z. Arterialização do arco venoso do pé para tratamento da isquemia crítica sem leito distal. Cir Vasc & Angiol 1999;15:117-121.
·      Busato CR, Utrabo CAL, Gomes RZ, Housome JK, Hoeldtke E, Pinto CT, Brandão RI, Busato CD. Arterialização do arco venoso do pé para tratamento da tromboangeíte obliterante. J Vasc Bras. 2008;7(3):267-271.
·      Lengua F. Le pontage d’artérialisation veineuse distale peut-il être bénéfique au pied diabétique avec nécrose? Chirurgie 1994-1995;120:143-152.
·      Lengua Almora F; Arterialization Del Pie Por Isquemia – Ultima Oportunidad para evitar amputaciones em diabéticos.1ª edicion. Lima, Ed. Delvi S.R.L.Julio, 2006. 



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