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CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO RETRÓGRADA: SALVAMENTO DO PÉ ISQUÊMICO.

Com o avanço das técnicas endovasculares, angiográficas e da microcirurgia tem sido possível a realização de procedimentos em artérias de pequeno calibre ao nível do tornozelo e do pé. No entanto, tais técnicas exigem a presença de leito arterial distal, que está ausente em muitos pacientes o que os condena a uma amputação do membro por falta de recursos terapêuticos convencionais.

A revascularização retrógrada é baseada na derivação do fluxo arterial através do sistema venoso distal, com a finalidade de atingir a microcirculação de maneira retrógrada e promovendo a melhora da dor em repouso, cicatriza­ção de úlceras e amputações menores.

Este blog irá disponibilizar aos interessados a técnica de revascularização retrograda com suas particularidades. Pretende ser um polo para a divulgação e discussão do tema com o objetivo de estabelecer um protocolo para pacientes acometidos por diferentes patologias e que apresentam isquemia crítica sem leito arterial distal (aterosclerose, diabetes melito, tromboangeite obliterante e trombose de aneurisma poplíteo).

quinta-feira, 27 de março de 2014

CONSIDERAÇÕES E CONCLUSÃO

Os parâmetros adotados na avaliação de resultados das pontes clássicas não são aplicáveis aos da arterialização.

A manutenção da fístula arterio venosa ao nível do pé por um período superior a 30 dias induz o desenvolvimento de neo colaterais e neo arteríolas (arteriogênese) que são evidenciadas em arteriografias de controle (figura 1 A e B) e neo capilares (angiogênese) (figura 2 A e B) (Wahlberg et al.,2003; Mousa et al, 2004) de tal forma que sua oclusão raramente está associada a perda do membro (Alexandrescu et al, 2011). Nas derivações clássicas a conservação do membro está estreitamente relacionada à duração da ponte.
Figura 01 – Aumento da rede de arteríolas mantida após a oclusão do enxerto. Fonte: Arterialization del pie por isquemia, F Lengua A.

Figura 02 – Aumento da rede capilar mantida após oclusão do enxerto. Fonte: Arterialization del pie por isquemia, F Lengua A.


Trabalhos recentes de re-vascularização distal às artérias do pé mostram índices de salvamento de membro de 81,7 e 69% em um e três anos de seguimento(Brochado-Neto, 2012 ); 81,8% (Good et al, 2011); 89,65% (Slais et al, 2011 ); 78,1 e 68,5% em 1 ano (grupo1 com tratamento cirúrgico inicial e 2 pós tentativa de tratamento endovascular) (Spinelli et al, 2011 ); 78% em 30 meses (Staffa et al, 2010 ); 50,4% em 5 anos (Brochado-Neto et al, 2010) e 76% em 24 meses (Khalifa et al, 2009).
 Lengua com a arterialização obteve salvamento de 80% com um tempo médio de permeabilidade de fístula de 8,5 meses e um seguimento médio de 4 anos e 4 meses sem amputação maior. No entanto não há estudo randomizado que tivesse comparado as pontes tradicionais abaixo dos maléolos com a arterialização venosa do arco do pé.  Nas revascularizações com ponte a supressão da sintomatologia é rápida, pois se faz por via fisiológica enquanto que na arterialização a recuperação é lenta, às vezes com certa progressão da necrose, apesar da permeabilidade da fístula, o que se explica pela forma não fisiológica de revascularização.
Os bons resultados das arterializações nos diabéticos que no passado era de 64%  com uma destruição mais eficaz das válvulas atinge índices de 80%. Estes resultados foram obtidos em pacientes sem leito distal e por isto não podem nem devem ser comparados com as revascularizações tradicionais.

CONCLUSÃO
Os resultados de Lengua et al. (2010) demonstraram que a arterialização do pé diabético é eficaz e durável a médio e longo prazo devido à neo-arteriogênese e neo-angiogênese induzida pela fístula, ainda que esta esteja patente apenas por um período médio de 8 meses. Os dados por nós apresentados têm como base apenas a observação clínica.
Apesar da literatura mundial recente, mostrar um aumento de publicações utilizando o método, um número expressivo de pacientes sem leito distal continua sendo levado à amputação sem esta tentativa.
A ausência de novas publicações nacionais a respeito demonstra que a cirurgia, ainda não é praticada pelos cirurgiões brasileiros, com a frequência esperada.
Concluímos que a inversão do fluxo arterial através da “arterialização” do arco venoso do pé deve ser considerada para salvamento de extremidade com isquemia crítica sem leito arterial distal (Busato et al., 1999).

Referencias:
·   - Alexandrescu V; Ngongang C; Vincent G; Ledent G; Hubermont G. Deep calf veins arterialization for inferior limb preservation in diabetic patients with extended ischaemic wounds, unfit for direct arterial reconstruction: preliminary results according to an angiosome model of perfusion. Cardiovasc Revasc Med 2011;12(1):10-9.

·    - Busato C.R, Utrabo C.A.L, Housome J.K, Gomes R.Z. Arterialização do arco venoso do pé para tratamento da isquemia crítica sem leito distal. Cir Vasc & Angiol 1999;15:117-121.

·     - Lengua F; La Madrid A; Acosta C; Vargas J. Arterializacion venosa temporal del pie diabético. J.vasc.bras.vol 9 nº1 Porto Alegre 2010 Epub Apr 23,2010.

·   - Busato CR; UtraboI CAL; Gomes RZ; HoeldtkeI E; Housome JK; Costa DMM; Busato CD. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. vol.9 no.3 Porto Alegre Sept. 2010

·    -  Wahlberg E. Angiogenesis and arteriogenesis in limb ischaemia. J Vasc Surg 2003; 38: 198-203.
·    - Mousa AY. In Advances in Vascular Surgery 2004; Vol. 11; Chapter 9: Angiogenesis in limb ischemia. pp. 122. 

·     - Brochado-Neto FC; Cury MV; Bonadiman SS; Matielo MF; Tiossi SR; Godoy MR; Nakano K; Sacilotto R. Vein bypasses to branches of pedal arteries. J Vasc Surg 2012;55(3):746-52.

·   - Good DW;Al Chalabi H; Hameed F; Egan B; Tierney S; Feeley TM. Popliteo-pedal bypass surgery for critical limb ischemia. Ir J Med Sci 2011;180(4):829-35.

·     - Slais M; Czinner P;Korisková Z; Vitásek P; Dvorácek L; Stádler P.Pedal bypass occupies an irreplaceable position in the spectrum of vascular surgery. Cas Lek Cesk 2011;150(4-5):289-92.
·   - Spinelli F; Stilo F; Benedetto F; De Caridi G; La Spada M. Early and one-year results of infrainguinal bypass after failure of endovascular therapy. Int Angiol 2011;30(2):156-63.

·        - Staffa R; Kriz Z. Pedal bypass- ten years experience. Rozhl Chir 2010;89(1):55-8.

·     - Brochado-Neto FC; Cury MV; Costa VS;Casella IB; Matielo MF; Nakamura ET; Pecego CS; Sacilotto R. Inframalleolar bypass grafts for limb salvage. Eur J Vasc Endovasc Surg 2010;40(6):747-53.

·    - Khalifa AA; Gueret G; Badra A; Gouny P. Diabetic critical ischemia of lower limbs: distal arterial revascularization. Acta Chir Belg 2009;109(3):321-6.


RESULTADOS RECENTES

            No estudo de Mutirangura et al. (2011), vinte e seis pacientes sem possibilidades de reconstrução arterial, candidatos à amputação de membro, foram submetidos à arterialização de veias profundas peri maleolares. Dezenove (73,1%) cicatrizaram lesões e ficaram livres de dor em repouso. Sete sofreram amputações maiores e um paciente foi a óbito. Após 24 meses 87,5% estavam vivos com 76,02% de salvamento do membro e 49,17 % dos enxertos patentes.
            Um estudo prospectivo randomizado comparou a arterialização venosa (AV) com o tratamento clínico (TC) com antiplaquetários. Doze pacientes foram submetidos a arterialização venosa distal e 24 foram tratados clinicamente. O seguimento no grupo cirúrgico foi de 4,8 meses (1 a 14) e no clínico de 4,9 meses (1 a 9). Dois enxertos trombosaram precocemente enquanto 10 permaneciam permeáveis. O salvamento do membro foi de 91,7% para o grupo AV contra 12,5% do TC; o alivio da dor 75% (AV) contra 8,3% (TC) e 77,8% (AV) contra 0% (TC) para cicatrização de lesões  (Djoric, 2011).
            Arterialização de veias profundas utilizando um modelo angiossômico híbrido “saves” foi realizada em 26 membros de 25 pacientes com diabetes melitus em risco de amputação e sem perspectiva de tratamento convencional. Doze membros utilizaram veias tibiais anteriores, 11 veias tibiais posteriores e três veias fibulares. O sucesso técnico inicial foi de 21 membros (80%), sem mortalidade operatória em 30 dias. A patência cumulativa primária e secundária foi de 66%, 60% e 48% aos 12, 24 e 36 meses. Salvamento do membro de 73% em seguimento de 3 anos (Alexandrescu et al. ,2011).
            Metanálise levantou 56 publicações disponíveis, na literatura mundial, que utilizaram a arterialização do arco venoso do pé, para tratamento de isquemia crítica sem leito distal. Sete trabalhos preencheram os critérios de seguimento, tempo de patência das fístulas e complicações pós-operatórias. Perfizeram um total de 228 pacientes com 231 extremidades e um percentual de salvamento de 71%, com cicatrização de lesões, pequenas amputações e melhora da dor em repouso. Cento e quarenta casos eram aterosclerose e 91  tromboangeite obliterante (Lu et al. , 2006).

Os bons resultados da cirurgia estão relacionados a indicação precisa, estudo pré-operatório arterial e venoso da extremidade em risco e detalhes de técnica operatória (Busato et al. , 2008).

CASUÍSTICAS
Entre Janeiro de 2000 e fevereiro de 2009 LENGUA et al. (2010) realizaram 61 arterializações  em 59 pacientes com pé diabético, dois bilaterais, Um paciente foi a óbito no 18º dia de pós-operatório. Dos 58 restantes, 44 homens e 14 mulheres, com idade média de 71 anos (53 a 91anos), 50 do tipo 2 e 8 insulino dependentes. Trinta e cinco hipertensos, 15 com transtornos do ritmo cardíaco, 12 com doença coronariana, 8 com insuficiência renal dos quais 2 em hemodiálise, 6 com Parkinson, 5 com antecedentes de IAM, 4 com retinite diabética e 3 com câncer de próstata. Arteriografia de todos os membros comprovou comprometimento arterial da perna e do pé. Em dois pacientes realizaram exploração cirúrgica: artéria dorsal do pé e tibial posterior. O sistema venoso superficial e profundo foi avaliado com Doppler. Como enxerto usaram a safena interna retirada de um ou dos dois membros conforme a necessidade. Utilizaram em 32 vezes um segmento venoso, 27 invertidos e 5 não invertidos. Dezoito compostos de dois segmentos venosos, 8 com PTFE e veia invertida sendo que em um caso utilizaram veia doada por familiar. A artéria doadora foi a poplítea 25 vezes, 27 a femoral superficial, 3 a femoral comum e 3 a ilíaca externa
O paciente que foi à óbito no 18º dia apresentava sua ponte permeável. Dos 60 membros arterializados 12 foram amputados, 9 em nível de coxa e 3 em perna. Dos 48 restantes 40 foram seguidos em média por 4 anos e 4 meses (dois anos e seis meses a seis anos e dois meses). Durante o seguimento ocorreu a oclusão de 38 pontes (95%) com uma média de patência em torno de 8 meses. (sete a nove meses). Duas continuavam permeáveis, uma há 1 ano e 10 meses e outra há 6 anos e dez meses. Sete pacientes foram a óbito durante o seguimento .

BUSATO, et al. (2010) submeteram dezoito pacientes com isquemia crítica sem leito arterial distal à  arterialização do arco venoso do pé com a safena “in situ”.  Destes onze com aterosclerose obliterante , seis com tromboangeite e um paciente com evolução tardia de aneurisma de artéria poplítea com  trombose distal. Seis dos onze pacientes com aterosclerose (figura 1 e 2) apresentavam diabetes melitus e destes dois com insuficiência renal dependente de hemodiálise.

Figura 1: PÓS-OPERATÓRIO – 7 DIAS

Figura 2: PÓS-OPERATÓRIO - 30 DIAS

Figura 1 e 2 – Pé de paciente diabético com aterosclerose obliterante.

Dos dezoito pacientes “arterializados”, dez mantiveram suas extremidades (55,6%). Seis cicatrizaram amputações menores, duas trans-metatarsianas, duas de dedos e duas de falanges. Sete sofreram amputações maiores (38,9%). Três em nível de coxa e quatro em nível de perna. Tiveram um óbito (5,5%) em paciente com diabetes melitus, insuficiência renal crônica e septicemia por infecção ascendente.
Dos onze pacientes com aterosclerose obliterante, cinco mantiveram a extremidade, cinco sofreram amputações maiores e um entrou em óbito.
Dos seis pacientes com tromboangeite obliterante, cinco mantiveram a extremidade e um sofreu  amputação maior.
O paciente com trombose distal, de aneurisma poplíteo, foi amputado em nível de coxa. .
Os pacientes que mantiveram o membro tiveram um seguimento médio de 695,6 dias (213 a 1066). Daqueles com aterosclerose, dois foram a óbito por co-morbidades com manutenção do membro, dois apesar de fecharem suas fístulas mantiveram o membro e um paciente apresentava ainda sua fístula pérvia. Daqueles com tromboangeite obliterante, quatro tinham fístulas patentes e um fístula fechada.


· Referencias:
·   - Alexandrescu V; Ngongang C; Vincent G; Ledent G; Hubermont G. Deep calf veins arterialization for inferior limb preservation in diabetic patients with extended ischaemic wounds, unfit for direct arterial reconstruction: preliminary results according to an angiosome model of perfusion. Cardiovasc Revasc Med 2011;12(1):10-9.

·       - Djoric P. Early individual experience with distal venous arterialization as a lower limb salvage procedure. Am Surg 2011;77(6):726-30.

·     - Mutirangura P; Ruangsetakit C; Wongwanit C; Sermsathanasawadi N;Chinsakchai K. Pedal bypass with deep venous arterialization: the therapeutic option in critical limb ischemia and unreconstructable distal arteries. Vascular 2011;19(6):313-9.

·         - Busato CR, Utrabo CAL, Gomes RZ, Housome JK, Hoeldtke E, Pinto CT, Brandão RI, Busato CD. Arterialização do arco venoso do pé para tratamento da tromboangeíte obliterante. J Vasc Bras. 2008;7(3):267-271.

·     - Lu X.W, Idu M.M, Ubbink D.T, Legemate D.A. Meta-analysis of the clinical effectiveness of venous arterialization for salvage of critically ischaemic limbs. Eur J Vasc Endovasc Surg 2006;31:493-9.

·     - Lengua F; La Madrid A; Acosta C; Vargas J. Arterializacion venosa temporal del pie diabético. J.vasc.bras.vol 9 nº1 Porto Alegre 2010 Epub Apr 23,2010.

·     - Busato CR; UtraboI CAL; Gomes RZ; HoeldtkeI E; Housome JK; Costa DMM; Busato CD. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. vol.9 no.3 Porto Alegre Sept. 2010.

COMPLICAÇÕES

Precoces:
 - Necroses cutâneas da ferida operatória no pé, progressão da necrose apesar da patência da fístula AV.
Síndromes necróticos dolorosos do pé por hiper-perfusão (figura 01).
-  Hiperestesias dolorosas.
-   FAV residuais no trajeto da esqueletização.


Figura 1 – Síndrome equimótico doloroso por hiper-perfusão. Fonte: Arterialization del pie por isquemia, F Lengua A.

Tardias
As séries estudadas não referem casos de sobrecarga cardíaca nem de varizes do membro operado. As tromboses tardias do enxerto geralmente não são acompanhadas de fenômenos isquêmicos.

Referências:
 - Lengua Almora F; Arterialization Del Pie Por Isquemia – Ultima Oportunidad para evitar amputaciones em diabéticos.1ª edicion. Lima, Ed. Delvi S.R.L.Julio, 2006. 

PÓS-OPERATÓRIO

Embora Lengua (2006) utilize heparina de BPM durante uma semana no pós-operatório imediato de seus pacientes passando para varfarina. Nós utilizamos a heparina como profilaxia para TVP/TEP juntamente com antiplaquetário que mantemos nos pacientes com insuficiência arterial.
            A difusão do sangue arterializado através do arco venoso e das metatarsianas se faz para veias profundas do pé, que por sua vez, se difundem para superficiais proximais graças a ausência de válvulas em um número considerável de veias perfurantes (Lofgren et al,1968).

Estes achados podem ser comprovados pela arteriografia pós-operatória de pacientes que apresentam difusão do contraste nos arcos venoso dorsal (figura 1A) e plantar, como na (figura 1B) onde notamos o enchimento do arco plantar do pé e da veia safena parva.



(Figura 1A)

(Figura 1B)

Figura 1 – Difusão do contraste para o arco venoso dorsal e veias tibiais anteriores (A) e para arco venoso plantar e veia safena parva (B).

FISIOLOGIA DA ARTERIALIZAÇÃO
Lengua (2006) apresenta três hipóteses para a fisiologia da arterialização:

1 1. Inversão parcial: O aumento do gradiente veno-arterial permitiria o fluxo através das comunicações arteriovenosas em sentido inverso atingindo a arteríola pré-capilar.

    2. Inversão total: O fluxo arterial à contra corrente atingiria os capilares no sentido veno-arterial.

    3. Inversão mista: aonde os dois fenômenos anteriores coexistiriam.  



    Referências:
   Lengua Almora F; Arterialization Del Pie Por Isquemia – Ultima Oportunidad para evitar amputaciones em diabéticos.1ª edicion. Lima, Ed. Delvi S.R.L.Julio, 2006.
    
    Lofgren E.P, Myers T.T, Lofgren K.A, Kuster G. The venous valves of the foot and ankle. Surg Gynecol & Obst 1968;8:289-290
 





terça-feira, 25 de março de 2014

TÉCNICA OPERATORIA: CIRURGIA DE REVASCULARIZAÇÃO RETROGRADA

A técnica cirúrgica pode ser realizada como Lengua (2001), que faz a anastomose distal com safena invertida diretamente no arco venoso ou como preconizamos: mantendo a safena magna “in situ” (Busato et al., 1999).

Safena invertida ou devalvulada “ex situ”.
A técnica operatória é descrita com detalhes simples e até fúteis mas que na realidade constituem  um rol importante para o resultado final da cirurgia (Lengua,1994).
A anestesia preferencial é a peridural com cateter. Protegem-se eventuais lesões tróficas com material estéril e impermeável assim como o apoio do calcanhar com uma luva preenchida de água estéril. A intervenção pode ser realizada por duas equipes: a primeira retira as safenas de ambas as coxas, prepara e executa uma anastomose na artéria doadora.

1. Dissecção da veia:
Uma incisão oblíqua longitudinal na parte inferior, lado interno do joelho serve para confecção do túnel para o enxerto. A segunda equipe realiza a dissecção da veia marginal interna do pé através de incisão pré-maleolar de dez centímetros para baixo na projeção desta veia. A incisão deve evitar "cair" sobre a veia, pois o seu fechamento pode expor a anastomose caso ocorra necrose de pele (figura 1B). Pontos de tração são colocados sobre as bordas da ferida incluindo pele e fáscia subcutânea. Para dissecção da veia marginal bem como para o fechamento da ferida evita-se a utilização de pinças e afastadores para evitar a necrose da pele (Lengua,1994). 

2. Tunealização:
Tuneliza-se o trajeto do enxerto através do tecido celular subcutâneo com uma sonda de material plástico, em trajeto anterior a safena magna pré maleolar. Evita-se tunelizador metálico que pode causar descolamento da pele originando necrose. 

3. Flebotomia:
Com o enxerto localizado em seu leito, sem torções, se realiza uma flebotomia na veia marginal do pé capaz de permitir acesso à primeira metatarsiana e a continuidade do arco venoso. Utilizando-se os dilatadores metálicos, após distensão venosa com soro fisiológico heparinizado, rompem-se as válvulas acessíveis à flebotomia. 

4. Anastomose veia-arterial:
Procede-se a anastomose do enxerto venoso com prolene 7 zeros e utilizando-se de lentes de aumento evitando deixar uma bolsa que possa ser comprimida pelo fechamento da pele. Quando isto ocorre, é preferível deixar a incisão apenas aproximada com abertura de 3 a 6 mm, cobrindo-se a anastomose e deixando para cicatrizar por segunda intenção (Lengua, 1994).


Figura 01 – Técnica de arterialização do arco venoso do pé com safena “ex situ” (A). Aproximação da pele na incisão cirúrgica do pé (B). Fonte: Arterialization del pie por isquemia, F Lengua A.

5. Destruição das válvulas venosas:
           Para a destruição das válvulas do pé foi desenvolvido um conjunto flexível de 5 hastes, de 24 centímetros de comprimento, armado com curtas olivas de ponta cônica de diâmetros variáveis de 1 a 2,5 mm com comprimento de 4 a 5 mm  implantados num ângulo de 10 graus e uma de 6 cm, sem angulação, para destruir as válvulas ostiais da primeira metatarsiana. A rotura é feita girando a oliva para dentro do lúmen evitando lesionar a parede da veia (figura 2). A técnica cirúrgica deve ser meticulosamente seguida porque o resultado depende de pequenos detalhes (Lengua, 2006).

Figura 02 – Conjunto de hastes metálicas utilizadas para valvulotomia. Fonte: Arterialization del pie por isquemia, F Lengua A

 Safena “in situ”
A safena magna mantida “in situ”, deve ser anastomosada à melhor artéria doadora, (figuras 3A e B) que deve ser esqueletizada, pela ligadura de todas as colaterais, até a perfurante anterior do maléolo (figura 4), que deriva parte do fluxo, para as veias tibiais anteriores e dorso proximal do pé.


Figura 03 A e B – A safena magna “in situ” anastomosada à melhor artéria doadora. Fonte: Busato, et al. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. v.9 n.3, 2010.

Figura 4 – Safena magna esqueletizada até a primeira veia perfurante justa maleolar.Fonte: Busato, et al. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. v.9 n.3, 2010.

 A partir desta, todas as veias do pé devem ser preservadas. Realizamos valvulotomia ascendente através das colaterais ao longo da safena (figura 5) e no pé através de flebotomia (figura 6). O procedimento pode ser simplificado pela passagem de um valvulótomo flexível a partir da flebotomia que é realizada próxima a emergência da primeira metatarsiana. Completamos a valvulotomia descendente na metatarsiana e no arco venoso do pé. 


Figura 5 – Flebotomia no dorso do pé para rotura das válvulas. Fonte: Busato, et al. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. v.9 n.3, 2010.

É imprescindível a presença de pulso e frêmito ao nível do arco venoso dorsal, (figura 7 A e B) manutenção das veias do pé a partir da perfurante anterior do maléolo e integridade do sistema venoso profundo do membro que serve como “rota de fuga” ao hiper-fluxo gerado pela fístula (Busato, 1999, 2008) .


Figura 06 – Fluxo arterial em veia dorsal do pé (A). Padrão de FAV ao doppler (B). Fonte: Busato, et al. The great saphenous vein in situ for the arterialization of the venous arch of the foot. J. vasc. bras. v.9 n.3, 2010.

A utilização da safena magna “in situ” permite “arterializar” o arco venoso do pé com apenas uma anastomose. Evita a retirada da veia de seu leito original e dispensa a confecção de túnel.
Os bons resultados da cirurgia estão relacionados mais a indicação precisa, estudo pré-operatório arterial e venoso da extremidade em risco e detalhes técnicos do que do tipo de cirurgia escolhida.



·  Referencias:
·  Lengua F, Madrid A La, Acosta C, Barriga H, Maliqui C, Arauco R, Lengua A. L’arterialisation des veines du pied pour sauvetage de membre chez l’artéritique. Technique et resultats. Ann Chir 2001;126:629-638.
·     Djoric P. Early individual experience with distal venous arterialization as a lower limb salvage procedure. Am Surg 2011;77(6):726-30.
·         Busato C.R, Utrabo C.A.L, Housome J.K, Gomes R.Z. Arterialização do arco venoso do pé para tratamento da isquemia crítica sem leito distal. Cir Vasc & Angiol 1999;15:117-121.
·      Busato CR, Utrabo CAL, Gomes RZ, Housome JK, Hoeldtke E, Pinto CT, Brandão RI, Busato CD. Arterialização do arco venoso do pé para tratamento da tromboangeíte obliterante. J Vasc Bras. 2008;7(3):267-271.
·      Lengua F. Le pontage d’artérialisation veineuse distale peut-il être bénéfique au pied diabétique avec nécrose? Chirurgie 1994-1995;120:143-152.
·      Lengua Almora F; Arterialization Del Pie Por Isquemia – Ultima Oportunidad para evitar amputaciones em diabéticos.1ª edicion. Lima, Ed. Delvi S.R.L.Julio, 2006.